O Emprego

O emprego tem para todos uma importância que supera em muito a simples necessidade de ganhar o pão de cada dia. As relações de trabalho devem ser entendidas num quadro mais amplo que ultrapassa em muito as meras relações bilaterais que se geram entre o empregado e a entidade patronal. Todos reconhecemos a importância que o emprego representa na nossa realização pessoal e no nosso sentido de auto-estima. Ter um bom emprego não deve ser sinónimo de emprego bem remunerado. Pelo contrário, ter um bom emprego significa receber uma remuneração justa, sentir-se ocupado com vista à realização dum fim útil e encontrar na actividade desenvolvida um motivo de satisfação pessoal. Podemos imaginar dois telefonistas cegos a desenvolver a sua actividade em empresas diferentes; o primeiro, recebe um vencimento acima da média dos companheiros de profissão que conhece, mas a actividade que presta na empresa é mínima, dado que os seus directores não lhe confiam a importante tarefa de ser o primeiro contacto da empresa com o exterior; mantêm-no ao serviço da empresa porque se trata de um grupo economicamente forte, e não faz parte dos seus planos, criar qualquer conflito laboral. O segundo, aufere um vencimento inferior, embora esteja devidamente enquadrado nos níveis salariais da sua empresa. Por ele passam todos os contactos com o exterior, desde os fornecedores aos clientes, competindo-lhe fazer a avaliação dos assuntos e distribuir estes contactos pelas secções adequadas. Quando tem necessidade de faltar, a sua ausência tem reflexos negativos no normal funcionamento da empresa.


É minha convicção que grande parte de nós optaria pela segunda posição. Mas as relações de trabalho não se esgotam nos interesses individuais do empregado e do empregador.


Normalmente, do salário de uma só pessoa depende a subsistência e o bem-estar de outras. Repare-se que a qualidade da assistência na saúde de um agregado familiar, muitas vezes depende exclusivamente do emprego de um dos membros desse agregado. Também o objectivo da empresa não é redutível aos lucros que ela proporciona ao seu proprietário.


Da produtividade de cada empresa depende a saúde da economia de um país e desta, se houver uma justa distribuição da riqueza, depende a maior ou menor tranquilidade e coesão sociais do país e a sua relevância no plano internacional.


Por estes motivos os governos não deixam os contratos de trabalho abandonados ao princípio da liberdade contratual, que vigora para a generalidade dos outros contratos, em que as partes contratantes podem com mais ou menos à vontade estipular as cláusulas que as hão-de vincular. Para os contratos de trabalho existe legislação especial, muito pormenorizada, que deixa pouca margem de manobra aos contraentes. O trabalho é o motor da vida de uma sociedade e daí a especial atenção que a Lei lhe dedica.


E se o trabalho é tão importante, quer no plano social, quer no plano individual, é bem evidente que assume para a pessoa deficiente uma importância ainda mais fundamental. Desde logo, porque havendo a consciência que as possibilidades de emprego são menores relativamente aos outros cidadãos, gera-se o efeito psicológico de o considerar um bem de difícil acesso e por isso é mais valorizado na nossa escala de interesses.


Depois, porque as pessoas com deficiência são, em regra, mais dependentes economicamente, uma vez que não raramente necessitam de efectuar despesas que não fariam se não fossem deficientes. Finalmente, porque na falta de emprego, ou de outra ocupação realizadora, a pessoa com deficiência tem quase sempre mais dificuldade em sentir o seu tempo preenchido, porque a deficiência lhe impõe algumas limitações que os outros não têm. A ociosidade é sempre mais penosa e prejudicial aos deficientes que às restantes pessoas, porque lhes potencia o sentimento da incapacidade.


Deste modo, a conquista de um "bom" emprego deve ser objectivo de todos nós. Através de uma boa prestação no nosso posto de trabalho conseguimos não só a nossa dignificação pessoal, mas também a de todos os outros deficientes visuais, abrindo portas a outros que ainda não lograram atingir uma situação de emprego satisfatória. Na empresa ou serviço onde trabalhamos, sem abrir mão dos direitos e regalias que a Lei nos confere, devemos agir com cautela e ponderação relativamente a tudo o que possa pôr em causa o nosso posto de trabalho. Se não estivermos certos dos efeitos da atitude que pretendemos tomar, devemos consultar quem melhor que nós possa apontar-nos a posição mais adequada.


O Estado Português reconhece a especificidade do emprego para a pessoa deficiente, criando programas específicos de formação profissional e legislação especial em matéria de emprego, sendo de especial relevância nesta matéria o Decreto-Lei nº 247/89. Assim, o I.E.F.P. apoia os deficientes, em matéria de emprego, na instalação por conta própria, desde que se trate de uma actividade economicamente viável e, no caso de se tratar de trabalho por conta de outrem, as empresas ou serviços que aceitem deficientes, são apoiados com subsídios para adaptação de postos de trabalho, subsídios para eliminação de barreiras arquitectónicas, subsídios de compensação motivados por uma menor rentabilidade durante os primeiros tempos de emprego, subsídios de atendimento personalizado e subsídios de integração, quando o trabalhador deficiente transita para os quadros da empresa.


Apesar da existência destes benefícios, a que se deve juntar algumas deduções nos montantes pagos pelas entidades patronais para a segurança social, relativamente aos trabalhadores deficientes, a colocação destas pessoas, nomeadamente os deficientes visuais, é tarefa bem difícil. Por isso, não podemos nem devemos enjeitar oportunidades, antes insistir junto das autoridades para que sejam criados mecanismos que facilitem o emprego de pessoas deficientes. Por vezes, estes mecanismos, destinados a facilitar a integração dos deficientes no mercado de trabalho, são incompatíveis com algumas "regalias" dos que já trabalham. Quando se reivindica um estatuto especial para os trabalhadores deficientes, no sentido de tornar mais difícil o seu despedimento, esquecemo-nos que estamos a dificultar o ingresso no mundo do trabalho dos que ainda não têm emprego. Permitam-me um exemplo: o Decreto-Lei nº 421/83 regula a prestação de trabalho suplementar (trabalho extraordinário). O artigo 3º deste diploma estabelece que a prestação de trabalho suplementar é obrigatória, a não ser que se invoque motivo atendível. O nº 2, alínea a) do mesmo artigo isenta os trabalhadores deficientes desta obrigação. Será benéfica esta situação para os que ainda não estão empregados, ou funcionará como uma barreira à contratação?

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